Cultura Digital


LER E ESCREVER NA CULTURA DIGITAL 

(sobre o texto escrito em outubro de 2000, por Andrea Cecilia Ramal - Pesquisadora do Centro Pedagógico Pedro Arrupe - Doutora em Educação pela PUC-RJ

“Vivemos um desses raros momentos em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado.”
(
Pierre Lévy, 1993, p.17)




Narrativas Orais

Escrita

Hipertextualidade


Narrador e ouvintes num mesmo contexto comunicacional


Memória auditiva = Saber + inteligência

História encarnada por pessoas

Mito = preservação de crenças e valores

Tempo = movimento cíclico

Saber condicionado pela subjetividade

Oralidade: lógica da justaposição

Autoridade do autor

Revelação
Papel = visão de mundo + cultura + sentimentos + vivência
Saber = objetivo, possível de se distanciar, sem que o autor e o leitor necessariamente participassem do mesmo contexto
Escrita = auxiliar cognitivo fora do sujeito. Torna presente e atemporal a palavra,  linearidade: lógica do encadeamento
Memória de um povo = documentos, registros, arquivos; numa cronologia

Autoridade da obra, texto fala por si mesmo
Decifração
Memória impessoal; verdades independentes dos sujeitos que as produziram e dos contextos em que foram geradas
Estruturas normativas; discurso científico
Nova forma de produzir e de organizar o conhecimento

Multilinearidade, nós, links,  redes

Reunião de vozes e olhares

Subversivo em relação ao monologismo

Construído na soma de muitas mãos, e aberto para todos os links e sentidos possíveis

Sem um princípio único, várias narrativas possíveis – construídas pelo leitor, protagonista de uma construção em que o ouvinte trabalha os fios e tece a narração seguinte




Escola: se organiza sobre o conhecimento objetivo dos fatos; currículo em função de saberes (independentes do contexto). Herdeira da tradição positivista (o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro) e do estruturalismo, que separa a língua (fenômeno social), da fala (expressão individual). Onde a leitura: busca a uma lei universal.


A Escola estuda a língua como fenômeno estático, direcionando o ensino para a sistematização das normas, para adequação ao sistema, sem abrir espaço para a diversidade, para a multiplicidade de interpretação dos signos, para as intenções dos falantes. Onde há a dominação da razão sobre outras competências e saberes humanos mais ligados ao espírito, à afetividade, ao emocional. Onde predomina as linguagens matemáticas, exatas, que não se prestam à polissemia. 


Texto: retirado de sua função viva, contexto, raízes, história. Existe apenas como externo ao leitor. Fator de alienação escolar.

Conhecimento escolar = páginas de um livro: linear, encadeado e segmentado.

Apesar de ter objetivado o conhecimento no papel, a escola o cobra também memorizado. Mas ao contrário da cultura oral, na escola se memoriza o que não faz sentido.


A cultura escrita designa a cultura oral como inferior. Normalmente chega com violência e subjulga a oral. Há exemplos atuais na África, quando as populações são obrigadas a se alfabetizar no idioma do colonizador.



Isso também acontece quando na alfabetização de crianças são impostas as normas da língua “culta”.

Escola monológica: é aquela em que um único sentido sobressai, impedindo os demais de virem à tona, exclui a dimensão criadora. A língua serve de instrumento de reprodução do sistema (Mikhail Bakhtin).



Não existe nem a primeira nem a última palavra, e não existem fronteiras para um contexto dialógico. (...) Em qualquer momento do diálogo existem as massas enormes e ilimitadas de sentidos esquecidos que serão recordados e reviverão em um contexto e num aspecto novo
(
Bakhtin, 1985).
Polifonia: jogo dramático de vozes.  Anular a polifonia é anular o diálogo e a reconstrução possível de sentidos, fechando o acesso ao que só poderia ser completado pelo leitor.


Cibercultura: conexão simultânea dos atores da comunicação a uma mesma rede, relação totalmente nova com os conceitos de contexto, espaço e temporalidade



 




Do horizonte do eterno retorno das narrativas, e da linearidade das culturas letradas, passamos a uma percepção do tempo, mais do que como linhas, como pontos ou segmentos da imensa rede pela qual nos movimentamos.
 
Megadesign hipertextual: ciberespaço, interativo e receptivo a todas as vozes conectadas que desejem escrever uma parte do megatexto produzido pela inteligência coletiva.



Hipertexto: nova forma de escrita e de comunicação da sociedade informático-mediática, é também uma espécie de metáfora que vale para as outras dimensões da realidade.  Como o próprio nome diz, é algo que está numa posição superior à do texto, que vai além do texto. 


Dentro do hipertexto existem vários links, que permitem tecer o caminho para outras janelas, conectando algumas expressões com novos textos, fazendo com que estes se distanciem da linearidade da página e se pareçam mais com uma rede.

Cada percurso textual é tecido de maneira original e única pelo leitor cibernético. Não existe, portanto, um único autor: seria mais adequado falar de um sujeito coletivo, uma reunião e interação de consciências que produzem conhecimento e navegam juntas.


A internalização da estrutura do hipertexto como mediação para a produção de conhecimento implica novas formas de ler, escrever, pensar e aprender. Onde ler é mergulhar nas malhas da rede, é perder-se, é libertar-se dos caminhos proibidos, que o monologismo havia colocado em segundo plano.


O hipertexto contemporâneo é, de certo modo, uma versão da polifonia que Bakhtin buscava; e, portanto, uma possibilidade para o diálogo entre as diferentes vozes, para a negociação dos sentidos, para a construção coletiva do pensamento.
 
Um hipertexto é subversivo com relação à forma: amplia os recursos expressivos do texto escrito na possibilidade de articular imagens, palavras e sons. A imagem  disponibilizada na Internet e acessada pelo aluno passa a ser também mediadora para o conhecimento do mundo.
 
O hipertexto é subversivo até com relação à postura física do leitor: Poderá não ter, os encantos do papel ou do pergaminho; mas nos permite a visibilidade das janelas, a abertura das múltiplas caixas de texto, os recursos de cortar e colar fragmentos, a infinidade de dobras caleidoscópicas.

A informatização instaura um novo regime de circulação e de metamorfose das representações e dos conhecimentos: muda a alfabetização, o letramento, os processos educacionais de internalização das formas comunicacionais.
As rupturas são tão radicais que exigirão um repensar de alguns dos elementos básicos da escola.

1. Quem é o sujeito da educação hoje?

2. Como deveria ser o currículo hoje? 

3. Como são as relações de poder que surgem na escola a partir dos instrumentos tecnológicos? 
4. Como deveria ser o professor de hoje? 
Usando a linguagem dos PCN, o papel do professor decisivo nos três eixos de conteúdos curriculares:
  • arquiteto cognitivo
  • dinamizador de grupos
  • educador
5. O que significa construir uma pedagogia intercultural
O prefixo inter indica ênfase nas trocas, nas conexões, no diálogo. Intercultural é diferente de multicultural (termo estático, “que pode, na realidade cotidiana, traduzir-se pela simples justaposição de culturas múltiplas no interior duma sociedade, sem comunicação entre elas, cada uma permanecendo fechada o mais que lhe for possível). O intercultural, ao contrário, é movimento e reciprocidade
Construir uma pedagogia intercultural será tornar possível, no currículo, a abertura ao outro, reconhecendo que a experiência do outro é fundamental para a constituição da subjetividade e para a produção de saber coletivo. A pedagogia intercultural é, em termos bakhtinianos, a resposta polifônica ao monologismo.
O hipertexto, construído na soma de muitas mãos, e aberto para todos os links e sentidos possíveis é uma versão da polifonia que Bakhtin procurava; e na escola, uma possibilidade para construir uma sala de aula aberta à pluralidade de vozes, à construção coletiva, à partilha das interpretações, à democracia da palavra.
Para isso, será necessário reentender a palavra, a escrita e o texto como unidades discursivas que só encontram sua completude no processo dialógico, e reconstruir o processo educativo como um acontecimento de interação de consciências.
A escola da cibercultura pode tornar-se o espaço de todas as vozes, todas as falas e todos os textos.
O desafio mais instigante é o do professor, que pode finalmente reinventar-se como alguém que vem dialogar e criar as condições necessárias para que todas as vozes sejam ouvidas e cresçam juntas.

Clique aqui para Assistir ao vídeo de um trecho da entrevista de Pierre Lévy no Roda Viva